domingo, 7 de abril de 2013

Como funcionam as autópsias nos EUA


Quando alguém morre em circunstâncias misteriosas, o que acontece em seguida? A maioria dos estados americanos tem leis exigindo que certos tipos de morte sejam investigados:
·       lesão
·       complicações tardias das lesões
·       envenenamento
·       complicações infecciosas
·       violência
·       pessoas que morrem sem acompanhamento médico
Se o tipo de morte se enquadra em qualquer um dos critérios acima, precisa ser relatada ao médico legista ou ao perito criminal, para investigação e determinação legal da causa mortis. O recurso principal dessa análise é a autópsia.
Um corpo para ser examinado em uma sala de autópsia
O processo de examinar um cadáver para descobrir a causa mortis é tema de muitos programas e filmes de TV, mas os fatos nem sempre são tão precisos. Em uma entrevista com Eric Kiesel, subdiretor legista do condado de Fulton, em Atlanta, o HowStuffWorks descobriu os mistérios desse processo, que costuma ser mal compreendido. Aprendeu também os detalhes do preparo, procedimentos e instrumentos necessários para realizar uma autópsia.
 Conheça o Dr. Kiesel
Dr. Kiesel é subdiretor legista do condado de Fulton. É patologista forense desde 1985. Este é um pequeno currículo dele:
·       estudou no Louisiana State University Medical Center, em Nova Orleans;
·       fez estágio em Medicina Interna, no programa Tufts do New England Medical Centers;
·       completou dois anos de residência em Anatomia Patológica, em Seattle, nos hospitais filiados à University of Washington;
·       recebeu uma bolsa para um ano de pesquisas em Patologia Forense, como médico legista assistente da região de King, em Seattle;
·       fez um ano de treinamento na subespecialidade forense;
·       foi o primeiro membro da Washington State Forensic Pathology;
·       foi contratado como perito criminal, atuando no condado de Snohomish, Washington;
·       ajudou a criar a legislação que converteu o sistema de peritos criminais do condado de Snohomish em um sistema de médicos legistas;
·       trabalhou no condado de Snohomish de 1987 a 1997;
·       em setembro de 1997, mudou-se para Atlanta, Georgia e começou a trabalhar no sistema Fulton County Medical Examiner (Medicina Legal do Condado de Fulton).
Quando perguntamos por que quis ser médico legista, Dr. Kilsen respondeu:
"Comecei estudando patologia ambiental. Eu tinha Ph.D. em Química Analítica. Fiquei amigo de um médico legista em Seattle e, quando surgiu a oportunidade para uma bolsa de pesquisa, aproveitei a chance. Como achei a área fascinante, continuei trabalhando".
Noções básicas de autópsia
Para compreender como funciona uma autópsia, vamos entender primeiro o que é e por que é feita.
Várias autópsias são feitas ao mesmo tempo no Sacramento County Coroner's Office, Gabinete de Perícia Criminal do Condado de Sacramento
Autópsia é o exame médico de um corpo para determinar a causa mortis. Ela é feita quando alguém morre subitamente e de forma inesperada, estando aparentemente com boa saúde. As autópsias podem também ser feitas a pedido da família do morto.
Há dois tipos de autópsias:
·       forense
·       clínica
autópsia forense ou autópsia médico-legal é aquela vista freqüentemente na TV e no cinema. De acordo com o Dr. Kiesel, "a autópsia forense gasta quase o mesmo tempo nas superfícies externas do corpo e nas superfícies internas, porque é onde ficam as evidências". As autópsias forenses tentam encontrar respostas para a causa da morte como parte de uma investigação policial geral.
autópsia clínica geralmente é feita nos hospitais pelos patologistas ou pelo médico responsável, para determinar a causa da morte com fins de pesquisa e de estudo. O Dr Kiesel explica:
"Eles, na verdade, estão interessados nos processos de enfermidade existentes e em fazer aquela correlação clínico-patológica. Alguém chega com tais sintomas, aqui está o tratamento que recebeu e aqui estão as minhas descobertas. Eles juntam todos os dados para ajudar a informar para as pessoas o que aconteceu ou o que pode ter acontecido".
Para a lei, todas as mortes caem em uma das 5 categorias possíveis. Na próxima seção, vamos analisá-las.
A TV mostra a realidade?
Em programas de TV como CSI (em inglês) ou Arquivo X (em inglês), os médicos legistas parecem ser o componente principal da investigação e podem usar evidências fornecidas pelo DNA para quase tudo. O Dr. Kiesel comentou os erros mais mostrados pela TV:
"Não saímos e fazemos toda a investigação. Não somos a polícia. Temos a nossa parte, a polícia tem a dela. A autópsia nem sempre dá todas as respostas. Se alguém cometer suicídio, a autópsia vai determinar porque a pessoa morreu, o que a matou, mas não necessariamente porque ela fez isso. Deste modo, nem todas as respostas estarão lá".
"Não podemos fazer DNA em todos os casos e encontrar uma relação para cada detalhe. Embora isso aconteça na TV, não está dentro das nossas capacidades. Nem sempre isso é feito no laboratório. Às vezes, há restrições financeiras para o que podemos fazer".
Tipos de morte
Nas investigações da causa mortis, as autópsias são feitas geralmente por um patologista forense. O patologista estuda os efeitos de doenças, de tratamentos médicos e de lesões no corpo humano. Um patologista forense se especializa no uso desses estudos para estabelecer uma causa que seja legalmente admissível no tribunal.
Segundo as definições legais, há cinco categorias de classificação de mortes:
·       natural
·       acidental
·       homicídio
·       suicídio
·       não determinada
Os patologistas do Sacramento County Coroner's Office (Gabinete de Perícia Criminal do Condado de Sacramento) se preparam para examinar uma vítima de homicídio
Após um exame cuidadoso de todas as evidências, o patologista forense, que pode atuar como médico legista ou perito criminal (mais à frente explicaremos a diferença) determinará a causa mortis como uma dessas cinco maneiras.
Por exemplo, se a autópsia revela um processo de doença, como leucemia ou câncer, a morte será considerada natural.
As respostas nem sempre são tão claras. O patologista precisa considerar todas as informações. Pode ser difícil explicar um traumatismo craniano grave, sem sinais de agressão, que resulte em morte. Quando aquela evidência é somada ao relato policial, afirmando que o corpo foi encontrado perto de uma ladeira coberta de gelo, acausa mortis é um acidente.
É fácil dizer que um ferimento por arma de fogo é um caso dehomicídio. No entanto, a autópsia pode revelar que os padrões do ferimento, do ângulo de entrada da bala e do resíduo de pólvora indicam que a arma estava nas mãos da vítima quando foi disparada. Os ferimentos foram auto-infligidos e são considerados suicídio.
Dr Kiesel deu um exemplo interessante das possibilidades singulares quando se determina a causa de uma morte.
"Digamos que há 30 anos alguém recebeu um tiro na cabeça e desenvolveu epilepsia (convulsões). Isso foi 30 anos antes e a pessoa morreu agora devido a esse distúrbio. Bem, ele foi causado pelo ferimento com arma de fogo, o que não é uma causa natural. Esse caso poderia realmente ser classificado como homicídio, pois não há limite de tempo para esse trauma. Se você quiser, pode levar o caso para o tribunal e processar alguém, pois não há limite enquanto se está vivo".
Médico legista ou perito criminal
Apesar de muitos tipos de médicos poderem fazer autópsias, a maioria dos estados americanos e das leis dos governos locais ordenam que um patologista forense nomeado faça esse trabalho. São chamados demédicos legistas e têm uma posição oficial no sistema médico legaldo condado.
Nem todos os condados usam o sistema médico legal. Alguns têmperitos criminais e um sistema de perícia criminal. Há duas diferenças principais entre os médicos legistas e os peritos criminais. Também há diferenças nos sistemas correspondentes.
Dr Kiesel explica:
"Um médico legista é, por definição, um médico. Na maioria dos casos são treinados para serem patologistas forenses e são nomeados para as suas posições. Para ser um perito criminal você precisa apenas ser escolhido para a função. Há lugares onde o dono de um pet-shop é um perito criminal. Eu tenho um amigo que é fazendeiro no estado de Washington e é o perito criminal do seu condado".
Muitos peritos criminais são patologistas qualificados com anos de experiência. Alguns são médicos de outras áreas. Dependendo das leis da região, o perito não precisa ter qualificações médicas para desempenhar sua função. Isso levanta duas questões:
1) por que um condado optaria por um sistema de perícia criminal ao invés de um sistema médico legal, se as diferenças de qualificação são tão grandes?
Isso acontece por causa dos recursos. Na maioria das áreas rurais, não existem muitos patologistas forenses qualificados. Também não há instalações necessárias para que façam seu trabalho apropriadamente. Além disso, áreas rurais com pouco ou nenhum crime violento, ou mortes inexplicáveis, não precisam de um patologista forense em tempo integral.
2) o que um perito criminal não qualificado faz quando se depara com um morto?
Dr Kiesel responde: "ele olha e diz: 'bem, ele está morto'. Essa é a obrigação do perito oficial".
O perito também é responsável por:
·       identificar o corpo;
·       notificar o parente mais próximo;
·       recolher e devolver para a família do falecido quaisquer pertences pessoais que estejam com o corpo;
·       assinar o atestado de óbito.
Alguns estados americanos, como a Louisiana, exigem que os peritos criminais sejam patologistas forenses. Entretanto, a maioria dos sistemas de perícia criminal dos condados não faz essa exigência. Caso um perito sem formação médica precise de uma autópsia, ele pode enviar o corpo para um médico legista. Em alguns estados, o governo providenciará um profissional para fazer o procedimento.
Procedimentos da autópsia: exame externo
O corpo é recebido no consultório do médico legista ou hospital dentro de um saco plástico preto para transporte de cadáveresou é envolto em um lençol estéril. Se a autópsia não for feita imediatamente, o corpo será refrigerado no necrotério até o exame.
Os corpos são transportados em vans especialmente equipadas.; elas não possuem nada que as identifique como transporte de cadáveres
Um saco plástico completamente novo é usado para cada corpo. Isso assegura que somente as evidências daquele cadáver estarão contidas ali. Os sacos são fechados e lacrados, para prevenir qualquer contaminação ou perda de indícios durante o transporte.
Os corpos chegam em invólucros para cadáver ou em coberturas como essa
Os lençóis estéreis são um modo alternativo de transportar o corpo. É uma espécie de lençol com que o corpo é coberto quando está sendo transportado. Os investigadores usam sacos plásticos e coberturas novas para cada corpo.
Às vezes, é usado um equipamento especial para ajudar a remover os corpos
Ele é transportado dentro do saco ou coberto pelo lençol até a sala de exame. A pessoa responsável por manusear o corpo é normalmente chamada de auxiliar de necrópsia , que é um atendente do necrotério. É responsável por transportar e limpar o corpo e, em alguns casos, ajudar na autópsia. O auxiliar também limpará a sala de exame quando o procedimento terminar. Essas funções podem variar de local para local.
Quando o corpo é recebido dentro de um saco plástico para cadáver, os selos são quebrados e o corpo é fotografado dentro dele. Na autópsia forense, é importante que o médico legista observe as roupas do morto e a posição delas. Isso porque depois que as roupas são removidas para o exame, qualquer evidência relativa a elas não pode mais ser documentada.
São colhidas evidências das superfícies externas do corpo. Amostras de cabelo, impressões digitais, resíduos de disparo (se houver), fibras, lascas de pintura e qualquer outro objeto estranho encontrado na superfície do corpo são coletados e anotados.
Se for uma investigação de homicídio, as mãos do morto serão colocadas dentro de sacos no local do crime. O médico legista abrirá os sacos e removerá resíduos e amostras das impressões digitais. Então, os sacos serão removidos, dobrados e guardados junto com as amostras, como parte das evidências.
Em alguns casos, uma radiação UV especial é usada para realçar secreções na pele ou nas roupas. Essa radiação faz com que as secreções fiquem fluorescentes, de modo que possam ser colhidas para as amostras.
Se o protocolo exigir, o corpo será radiografado ainda dentro do invólucro. Esse é um passo importante. O Dr. Kiesel explica por que:
"Outro dia, recebi um corpo de alguém que levou um tiro. O cadáver chegou, nós o radiografamos através do saco plástico, retiramos o corpo, fizemos a autópsia e encontramos todas as balas, exceto uma, que ficou dentro do invólucro. Na verdade, ela atravessou o corpo e ficou por baixo dele. Pelo raio-X, parecia que ainda estava dentro do corpo, embora não estivesse".
Um corpo sendo radiografado dentro da cobertura
Depois que todas as evidências são coletadas, o corpo é removido do saco ou do lençol. Depois, é despido e os ferimentos são examinados. Isso é feito antes da limpeza do cadáver.
Após o corpo ser limpo é pesado e medido antes de ser colocado namesa de autópsia para um novo exame. A mesa é de alumínio e inclinada, com as beiradas mais altas e com várias torneiras e drenos. Esses equipamentos são usados para lavar o sangue acumulado durante a investigação interna. Os tipos de mesa usados variam de local para local. O corpo é virado de frente e coloca-se um suporte embaixo de suas costas. O suporte é um "tijolo" de borracha ou de plástico que faz com que o tórax do morto fique para frente, enquanto os braços e o pescoço caem para trás. Essa posição facilita a abertura do tórax.

Os técnicos usam um equipamento de proteção para prevenir infecções
Nesse momento, é feita uma descrição geral do corpo. Todas as características que o identificam são anotadas, como:
·       etnia
·       sexo
·       cor e comprimento do cabelo
·       cor dos olhos
·       idade aproximada
·       qualquer característica identificadora (cicatrizes, tatuagensmarcas de nascença etc)
Um corpo é pesado enquanto se tiram as impressões digitais do outro, antes do exame externo
Essas características são registradas em um gravador de voz portátil ou em um formulário de exame padronizado. Além das características normais, qualquer anormalidade externa é anotada nesses relatórios. O Dr Kiesel faz um o resumo do exame externo:
"Geralmente separamos nossa descrição geral dos indícios de trauma e dos indícios de intervenção médica em categorias diferentes. Tiramos uma amostra de sangue e começamos a coletar material paratoxicologia (estudo dos efeitos de substâncias químicas no corpo humano). Então, abrimos o corpo".
Autópsia: exame interno
O exame interno começa com uma incisão larga e profunda, em forma de Y, que é feita de ombro a ombro, passando pelo osso esterno e vai até o osso púbis. Quando uma mulher é examinada, a incisão em Y é curvada em torno da base das mamas, antes de passar pelo osso esterno.
O próximo passo é soltar a pele, músculos e tecidos moles, usando um bisturi. Depois disso, o retalho torácico é puxado para cima do rosto, expondo a caixa torácica e os músculos do pescoço.
São feitos dois cortes de cada lado da caixa torácica. Os tecidos que estão por trás são dissecados com um bisturi e, então, a caixa torácica é afastada do esqueleto.
Com os órgãos expostos, são feitos vários cortes que descolam alaringe, o esôfago, várias artérias e ligamentos. Em seguida, o médico afasta a ligação dos órgãos na medula espinhal, assim como a ligação da bexiga e do reto. Depois disso, o órgão inteiro é puxado para fora e dissecado para investigação adicional.
Durante a dissecção, os órgãos são examinados e pesados. Também são retiradas amostras de tecido. Essas amostras têm a forma de "fatias", que podem ser facilmente visualizadas com um microscópio. Os vasos sangüíneos principais também são cortados e examinados.
O examinador abre o estômago, examina e pesa os conteúdos. Isso pode ser útil para descobrir a hora da morte (mais adiante falaremos sobre esse assunto).
Então, o examinador remove o suporte das costas e coloca-o atrás do pescoço, como se fosse um travesseiro, levantando a cabeça do paciente para que seja mais fácil remover o cérebro.
O examinador faz uma incisão com o bisturi, passando atrás de uma orelha, através da testa, chegando até a outra orelha e dando a volta. A incisão é dividida e o couro cabeludo é afastado do crânio, em dois retalhos. O corte da frente fica sobre a face do paciente e o de trás sobre a parte de trás do pescoço.
O crânio é cortado com uma serra elétrica para criar uma "tampa" que pode ser levantada, expondo o cérebro. Quando a tampa é levantada, adura-máter (membrana de tecido mole que cobre o cérebro) permanece presa à base da tampa craniana. O cérebro é exposto. A conexão do cérebro com a medula espinhal e o cerebelo é cortada e o cerebelo é tirado do crânio para ser examinado.
Uma serra elétrica vibratória Stryker é usada para cortar o crânio, sem danificar o cérebro
Através de todo esse processo, o médico legista busca evidências de trauma ou de outras indicações da causa mortis. O processo varia, dependendo do caso, e é bastante detalhado. O patologista forense precisa se dedicar a um procedimento complexo e aprofundado, para se assegurar de que os indícios serão coletados e documentados corretamente.
Após o exame, o corpo se encontra com a cavidade torácica aberta e vazia, com retalhos de tórax que parecem duas borboletas. Falta a parte de cima do crânio e os retalhos que cobrem o rosto e o pescoço. Para preparar o corpo para a funerária os órgãos são colocados de volta no corpo ou são incinerados; os retalhos do tórax são fechados e costurados; a tampa do crânio é recolocada e mantida no lugar pela aproximação e costura do couro cabeludo.
Uma casa funerária é então contactada para que venha buscar o morto.
O processo todo requer um trabalho cuidadoso. O Dr Kiesel explica quanto tempo isso pode levar:
Um caso comum de autópsia leva cerca de 4 horas. Isso já inclui o trabalho burocrático. Gasta-se cerca de meia hora antes e meia hora depois da autópsia para fazer o exame externo, as anotações, a papelada. A autópsia pode levar entre 1 e 2 horas se não for um caso complicado. Se for um caso complicado, como um homicídio, poderá levar muitas horas: de 4 a 6.
Dr Kiesel continua: "o médico legista pega todas as informações que recebeu do exame da autópsia e tudo o que recebeu da investigação e determina a causa mortis e a forma da morte".
Exame dos ferimentos
Um dos maiores desafios da autópsia é examinar os ferimentos. A tarefa do médico legista é usar sua habilidade e sua experiência para determinar a verdadeira natureza e causa de um ferimento. Dependendo do tipo de machucado ou da arma usada, isso pode ser difícil. O Dr Kiesel fala sobre essas dificuldades:
"Quando foram baleados 13 ou 20 vezes, você precisa identificar o trajeto de todas essas balas. Precisa descobrir para onde foi cada uma. O modo antigo de fazer as coisas era: 'bem, ele tem 10 buracos na frente, 8 buracos nas costas e há duas balas dentro. Terminamos'. O sistema legal não aceita mais isso".
Os casos de homicídio precisam ser examinados cuidadosa e minuciosamente. Uma parte do trabalho do médico legista inclui testemunhar no tribunal. Eles são freqüentemente chamados no banco de testemunhas para explicar suas descobertas, que podem ter um grande impacto na vida de todos que fazem parte do caso.
O Dr Kiesel explica como o rastreamento das balas fica realmente difícilquando os disparos são feitos por policiais:
"Eles querem saber 'qual bala entrou onde', especialmente se você teve vários atiradores e se esse é um caso envolvendo a polícia. Você sabe, pois coletou a bala. A arma de qual policial fez isso? Então a bala dessa pessoa veio por aqui, a dessa outra foi por ali. Às vezes, você realmente precisa persistir nisso, através de muitas etapas".
Dr Kiesel explica como os ferimentos têm padrões que ajudam a determinar suas origens:
"Em casos de espancamento com cassetete, em que você tem alguém que foi fisicamente agredido e recebeu pancadas, são vistas muitas lesões diferentes. Às vezes, elas têm padrões, que podem dar uma pista sobre a arma que foi usada. Às vezes, há mais de uma arma. Eu tive um caso em que uma pessoa foi morta por um indivíduo que usou pelo menos quatro armas diferentes. Assim, tínhamos quatro tipos diferentes de padrões de lesão na pessoa".
Com  anos de estudo e experiência, os médicos legistas aprendem a identificar esses padrões e o tipo de trauma a que estão associados.
Instrumentos
Os instrumentos usados para realizar autópsias mudaram muito pouco nos últimos 100 anos. O único avanço importante nos instrumentos é o uso de algumas serras elétricas. No entanto, ainda não são tão usadas quanto os instrumentos manuais à moda antiga.

 
·       Serra para ossos - usada para cortar os ossos ou o crânio;
·       Faca com serra - usada para cortar pedaços dos órgãos para exame;
·       Enterótomo - tesoura especial usada para abrir os intestinos;
·       Agulha de sutura - uma agulha grossa usada para costurar o corpo após o exame;
·       Martelo cirúrgico com gancho - usado para abrir a tampa do crânio;
·       Talhador de costelas - tesoura grande especial para cortar as costelas;
·       Bisturi - como o bisturi de cirurgia, porém, com a lâmina mais larga possível para fazer cortes longos e profundos ou para retirar tecidos;
·       Tesouras - usadas para abrir órgãos ocos e cortar os vasos sangüíneos;
·       Cinzel de crânio - usado para ajudar a alavancar cuidadosamente a tampa do crânio;
·       Serra Stryker - serra elétrica usada para cortar o crânio de modo a remover o cérebro;
·       Pinça dente de rato - usada para segurar órgãos pesados.
A sala de autópsia tem tudo que o patologista precisa
O Dr Kiesel discute algumas alternativas dos instrumentos tradicionais:
"Não usamos sempre aqueles lindos instrumentos cirúrgicos delicados. Se você colocar a palavra "médico" ou "autópsia" em alguma coisa, o preço triplica. Eu posso ir até uma loja que fornece artigos para restaurante e comprar algumas ótimas facas que custam bem menos do que custariam se fossem compradas em outro lugar".
A compra de instrumentos para autópsia não termina no fornecedor de artigos para restaurante. O médico legista também pode visitar uma loja de ferramentas. O Dr Kiesel continua:
"Objetos como tesouras de podar tendem a funcionar melhor do que talhadeiras ósseas cirúrgicas para cortar as costelas. A lâmina de um bisturi tem de 2 a 4 cm de superfície de corte. Pode-se conseguir uma boa faca comprida, com uma lâmina de 15 a 20 cm, para cortar mais rápido".
"Não estamos fazendo um procedimento cirúrgico delicado como aqueles em que precisamos nos preocupar se cortarmos algo errado e se alguém vai sangrar. Portanto, nossos instrumentos não são tão precisos, mas ainda assim podemos fazer algumas coisas relativamente sofisticadas. Não é como realizar uma microcirurgia delicada".
"Embora pareça repulsivo, os médicos legistas são obrigados a trabalhar dentro de um orçamento. Se economizamos dinheiro nos instrumentos, liberamos recursos para serem usados em outras fontes de investigação".
Hora da morte
Na TV e no cinema você provavelmente já viu vários investigadores dizerem com precisão a hora da morte. Você alguma vez se perguntou como isso é possível? Os investigadores usam o que se chama Time of Death Certainty Principle (Princípio da Certeza da Hora da Morte) e isso não é algo tão científico ou exato como parece.
Funciona mais ou menos assim: se você sabe com certeza quando a pessoa foi vista viva pela última vez e se sabe com certeza quando ela foi encontrada morta, então, você sabe com 100% de exatidão que ela morreu dentro desse intervalo.
Esse é o fundamento do princípio. Pode parecer óbvio, mas é apenas o ponto de partida. Depois de determinar esse intervalo, os investigadores começam a buscar fatores médicos e não médicos para chegar a uma aproximação do momento da morte.
O Dr Kiesel entra em detalhes:
"Há alterações que ocorrem depois da morte. A maioria delas é química. O sangue se acomoda dentro do corpo, devido à gravidade, e ocorre uma descoloração cor de púrpura do corpo, que se chamalividez. O corpo se enrijece. Isso se chama ridigez ou rigor. As pessoas observam o humor vítreo, que é o fluido que há dentro do olho. As córneas ficam embaçadas. Pode-se examinar os conteúdos gástricos [comida no estômago ou nos intestinos]. Pode ser útil saber quando foi a última vez que a pessoa comeu. A bexiga está cheia ou não?"
Todas essas alterações químicas identificadas associadas com a morte acontecem em intervalos de tempo amplamente conhecidos. Mas esses indicadores não são incontestáveis. Certas variáveis como a temperatura ambiente, substâncias químicas na corrente sangüínea e outros fatores podem afetar a velocidade com que essas alterações ocorrem.
O Dr Kiesel salienta outros indícios que os investigadores procuram ao tentar estabelecer a hora da morte:
"Às vezes, fatores não médicos são mais úteis para ajudar a determinar a hora da morte. Na cena do crime, quando foi a última correspondência que ele recebeu? Em que página estava aberto o guia de programação da TV? No fundo é assim: não há um fator único para observar. Não há um modo científico de determinar o momento exato da morte, a não ser que tenha sido filmada na frente de um relógio atômico".
Trabalho enigmático
Tendo aprendido alguns detalhes desse trabalho é fácil se perguntar como alguém pode fazer isso para ganhar a vida sem sofrer efeitos psicológicos graves. O Dr Kiesel discute o lado emocional e psicológico desse tipo de trabalho:
"Você precisa ser o tipo de pessoa que consegue se desligar emocionalmente. Quer dizer, se você entrar em um caso encarando as coisas como 'céus, essa é a filhinha ou o filhinho de fulano', você nunca conseguirá resolver nada. Você não pode personalizar o caso de forma alguma...
Ao entrar, você jamais se esquece de que aquela pessoa é amada por alguém. No entanto, quando começa a fazer o trabalho é como se colocasse essa informação de lado. Você olha para a pessoa como se fosse um quebra-cabeça e seu trabalho é resolver isso.
Eu preciso descobrir o que aconteceu. Quem, o quê, por que, quando, onde. Quer dizer, o meu trabalho é ordenar as coisas e conseguir as respostas, fazendo isso de um modo respeitoso.
Muitas pessoas não podem e não querem fazer esse tipo de trabalho. Há vários trabalhos que eu também não gostaria de fazer."
Questões de jurisdição
Agentes federais assumiram o controle da investigação do assassinato do presidente John F. Kennedy, permitindo que um patologista não forense realizasse o exame do seu corpo. Isso produziu resultados questionáveis. Na época, houve confusão sobre quem teria o direito, em uma investigação federal, de realizar a autópsia de um homem público.
Para resolver esse problema, agora a lei ordena que, nas investigações federais, os exames relativos a autoridades sejam feitos por patologistas do Armed Forces Institute of Pathology - em inglês (Instituto de Patologia das Forças Armadas). Nas investigações federais lidando com a morte de pessoas comuns, os agentes contratarão um patologista local qualificado para o trabalho

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